24 de março de 2012

Nivaldo Santiago - A linguagem dos sons (Elson Farias)

 

É pouco apresentada ao público a obra de compositor do maestro Nivaldo Santiago, formando uma imagem muito menor do que a revelada por seu trabalho de divulgador da boa música. Nem por isso pode-se dizer que seja ele um compositor bissexto. Ao contrário se considerarmos bissexto aquele artista que é visitado uma vez por outra pelos motivos do seu trabalho, porque Nivaldo Santiago pensa mais com a elocução dos sons do que com as palavras. Por onde anda carrega nos bolsos retalhos de papel em pentagrama para registrar os sons que o surpreendem a todo instante e atuam em seu espírito como signos de linguagem. Os sons da natureza, desde o canto dos pássaros aos gorjeios dos córregos, os rudes murmúrios das ruas, o inusitado e não muito comum repercutir dos tacos de sapatos nos assoalhos forrados com lâminas de metal em antigos armazéns de trapiches portuários, enfim, todos os elementos que residem no universo maravilhoso dos sons, desde as suas mais nobres fontes como a voz humana e o harpejo dos instrumentos da orquestra, tudo isso constitui a fonte primordial da sua música.

Outro dado que se deve levar em conta ao estudar a personalidade deste artista é a severa autocrítica a que submete o seu trabalho de compositor. A tortura com que aspira pela originalidade e pelo invulgar. Numa atitude tão cerrada que chega a ser inibitória do seu processo criador. Trabalha a vida toda, desde adolescente, com o canto coral, realizando arranjos que em última análise constituem-se em autênticos exercícios de composição. Mas quando a tarefa é criar a sua própria música o maestro passa a exigir mais de si mesmo e a tinta engrossa na caneta, impedindo que a pena deslize com naturalidade na folha de papel em branco. Em conseqüência desse comportamento os projetos se vão amontoando nas gavetas.

A direção de coros e o magistério têm ocupado a maior parte de sua vida. E sobre a sua experiência na sala de aula ele fala com enorme alegria. Lembra dos seus alunos do antigo Instituto de Educação do Amazonas, talvez com um carinho superior ao de como recorda os seus discípulos nos ambientes universitários e nos corais que tem formado e orientado. Seus colegas de magistério no IEA testemunham a simpatia que irradiava atraindo para si as atenções das suas jovens alunas, àquela altura num contingente representado pelas filhas de família da mais distinta sociedade manauense.

Mas o rigor de seu comportamento em relação à matéria das suas aulas impunha uma severa barreira entre o professor e as suas alunas. Porque o maestro é extremamente imperioso ao lidar com os elementos da arte. Cobra bom apuro técnico dos seus músicos e cantores, tanto nos domínios da composição como nos da interpretação. Considera que ambas as atividades estéticas, bem realizadas, são capazes de beneficiar a própria saúde das pessoas, e, a partir desse ponto, o bem estar da sociedade.

Ao completar 80 anos pode o maestro avaliar o produto de sua ação no magistério da arte, na montagem de grupos musicais, orquestras, coros com elementos de todas as idades, desde à iniciação das crianças ao estímulo à capacidade criadora dos idosos. Sei o que estou dizendo porque o acompanho pelo menos há quase meio século, primeiro como aluno e cantor sob a sua regência e, depois, como companheiro de atividades intelectuais em Manaus.

Manaus, Chácara Lili,

18.05.2009.

Nenhum comentário:

Postar um comentário